Pular para o conteúdo principal

Reforma psiquiátrica: resumo histórico e a quebra do paradigmas psicossocioculturais

Texto do professor Rafael Lustosa Ribeiro, 
mestre em história da psiquiatria e saúde mental

O indivíduo considerado louco adquiriu várias “máscaras” no decorrer da evolução humana, passando de um indivíduo que teria um contato místico com entidades divinas à uma possessão demoníaca, depois um ser doente por um único fator e em seguida por diversos fatores. Essa mudança de visão sempre sofreu influência de diversos fatores, sejam eles sociais, religiosos e econômicos, que vingavam no período da época estudada. 

Quando nos debruçamos nos principais períodos relacionadas ao entendimento da loucura, no princípio, observamos o entendimento da loucura como algo místico, em que o indivíduo foi tomado por uma força sobrenatural, que para se curar e devia recorrer a rituais ou a benzimentos por um xamã ou sacerdote da tribo. 

Em posteriori, a concepção tomou uma nova cara, apresentando a loucura como a mudança de um equilíbrio natural do ser humano. Isso é o que afirmava Hipócrates (460 a.C.-356 a.C.) e seus seguidores na época greco-romana, onde o desequilíbrio dos quatro humores resultaria em uma patologia. Para isso, o indivíduo deveria realizar caminhadas, massagens corporais, dietas específicas, fumigação de ervas, entre outros recursos naturais. 

Não muito distante, no período conhecido como Idade das Trevas (Idade Média), a concepção da loucura era dividida de acordo com o status social. Assim, os indivíduos loucos das classes altas pagavam os padres e a assistência era feita através da reza por parte da Igreja Católica - a qual era a grande influenciadora na época-, contudo, se não fosse dessas classes sociais o destino era o isolamento social, seja em lugares afastados ou vagando em um barco solto sem rumo no mar. 

Essa visão teve fim a partir da época do Renascimento - meados do séc. XVI -, onde o conceito de razão dominava o modo de pensar e agir. Com isso, o entendimento de que o louco era uma pessoa desprovida de razão, tornando o entendimento de loucura como a quebra da humanidade da pessoa, por sua vez, o transformando em um animal, pois ele perdeu seu lado racional, o que o caracterizava sendo um ser pensante e racional. Essa ideia ainda era realçada pela não adaptação do louco com o processo de civilização da época. 

Frente a isto, os modelos de cuidado eram baseados na criação de hospitais gerais para um cuidado firmado na vigilância e punição, ambos realizados por meio do uso da força bruta. Com a chegada da Revolução Industrial, Revolução Francesa e, também, o Iluminismo, um médico chamado Philippe Pinel apresentou um cuidado diferente nos pacientes psiquiátricos, tornando-se pioneiro nessa visão. Ele acredita que a loucura era unicausal, dando foco apenas para um aspecto clínico, e realizou um cuidado mais focado no paciente, através de discussões, escutas, programas e atividades voltadas para os pacientes e seus interesses. 

O psiquiatra francês, Philippe Pinel (1745-1826) foi pioneiro em classificar as loucuras quanto sua nosologia e prescrever cuidados específicos para cada doença. Mais atualmente, a Reforma Psiquiátrica, criada por Franco Basaglia, explora um conceito de assistência diferente dos já abordados, tendo como lugar de cuidado o lado de fora do hospital, voltando-se para a comunidade ou território que o paciente vive. Basaglia, por sua vez, entende a loucura como algo multifatorial, dando diversas causas para a ocorrência dela. 

Para concluir, a reforma psiquiátrica tem o papel de utilizar a comunidade em que o paciente está inserido como fator de assistência para sua inclusão e ajuda na assistência prestada a ele, não o deixando isolado do mundo, mas fazendo-o parte ativa da sociedade. Além disso, essa reforma busca a realização e a execução de seus direitos como cidadão do mundo, fazendo disso um dos planos para seu cuidado. Quando pensamos que o modelo etiológico e de cuidado da loucura foi alterado com o passar do tempo e devido a sociedade, a religião e a economia, encontramos uma série de motivos para essas mudanças. 

No entanto, atualmente, dois modelos apresentaram uma grande mudança no entendimento da loucura e na assistência prestada para tal paciente, sendo o modelo de Pinel e o modelo de Basaglia. Sabendo que no primeiro modelo o cuidado era voltado para atividades exercitadas no hospital e a visão da doença era unicausal e, no segundo modelo, o cuidado é territorial e a doença tem como início várias causas (multicausal). 

Um dos meios de evitar a perpetuação de erros do passado e aprender com eles, é de suma importância entender como era a assistência a pacientes loucos antes da reforma psiquiátrica. Nesse sentido, recomendamos a leitura do livro O Holocausto Brasileiro, que conta através de relatos e fotos a história do manicômio de Barbacena, interior de Minas Gerais, relatando a crueldade que eram os cuidados aos pacientes. Do livro fizeram um documentário que você pode assistir na íntegra abaixo. NÃO É RECOMENDADO PARA MENORES DE 16 ANOS. 

Comentários

Mais vistos

O Uso de Maconha na Adolescência e Sua Relação com a Esquizofrenia: Riscos, Evidências e Estratégias de Prevenção

O uso de cannabis durante o período crítico de neurodesenvolvimento da adolescência pode levar a alterações estruturais, funcionais e histológicas cerebrais que podem sustentar alguns dos danos comportamentais e psicológicos de longo prazo associados a ele. O sistema endocanabinoide desempenha um papel regulador e homeostático fundamental, que passa por mudanças de desenvolvimento durante a adolescência, tornando-o potencialmente mais suscetível aos efeitos da exposição à cannabis durante a adolescência. Aqui, sintetizamos evidências de estudos humanos de usuários adolescentes de cannabis mostrando alterações no desempenho cognitivo, bem como na estrutura e função do cérebro com evidências pré-clínicas relevantes para resumir o estado atual do conhecimento. Este artigo explora a relação entre o uso de maconha na adolescência e o desenvolvimento de esquizofrenia, destacando evidências científicas recentes e sugerindo estratégias para prevenção e intervenção. Evidências Científicas Sob...

Distante - por Arthur Miranda

"Tenho andado de mim tão distante  Parece que minha sombra fugiu de repente Meus pensamentos navegam absortos Num navio carregado de drogas e 'abortos'. Sinto saudades de mim. Onde foi que eu me perdi? Tornei-me num labirinto escuro Não consigo encontrar-me, com esses altos muros. A gente é aquilo que se habitua  Se drogar e aí a mente flutua, Deixando varias marcas No pulso as cicatrizes de cortes de facas Passando a ser um vegetal  Que agora se alimenta de droga respirável Se tornando para os outros, um miserável Com o raciocínio de um animal  A morte mãe agora me alimenta Minha vida ela frequenta Como não sinto mais pavor Por ela sinto apenas outro tipo de amor". Arthur Miranda (Trecho do livro: O Jardim de Ervas Daninhas - Pague para entrar e reze para sair - por Arthur Miranda - prelo).

Deserto de mim - por Arthur Miranda

Atravesso esse deserto de mortalidade A cada metro que transcorro Ele de mim se vangloria Colocando em minha mente A sua imensidão  Não importa o quanto eu ande Os meus olhos só veem areia Não estou desesperando Nem inquieto Apesar das alucinações Estou decidido a atravessar o deserto Permaneço andando lento e reto Há algo que vai me animando Não estou morrendo Estou me encontrando Apesar de parecer que estou me perdendo. (Trecho do livro: O Jardim de Ervas Daninhas - Pague para entrar e reze para sair - por Arthur Miranda - Prelo).