Clara Dawn, psicanalista. |
Na época algumas
pessoas que leram o livro cometeram suicídio, o que fez com que a venda do livro
fosse proibida na Alemanha. E desde então o assunto se tornou um tabu em todo o
mundo.
Mesmo que o efeito Werther, aconteça até os dias de hoje, sempre que um
uma pessoa famosa comete suicídio, quando desafios do tipo A Baleia Azul surgem
na internet, quando filmes e séries de TV mostram exemplos de como se matar,
ainda assim, a maneira mais eficiente de se prevenir o ato extremo é falando
abertamente sobre o desejo de praticá-lo.
Quebrando o tabu
Imaginemos que foi
pensando nisso que em 2004, o cineasta Eric Steel resolveu que não se prenderia
às convenções impostas pelo coletivo de que não se deve falar em suicídio e
decidiu colocar câmeras escondidas na ponte Golden Gate, uma das 7 maravilhas do
mundo moderno, em São Francisco, na Califórnia, com o intuito de registrar as
‘automortes’. Na época do lançamento do documentário “A Ponte”, mais de mil
pessoas já haviam se lançado dela desde a sua inauguração em 1937. Muitos corpos
nunca foram encontrados. Foram levados para o Pacífico pelas correntezas. Esse
número ainda pode ser maior, já que existem casos de possíveis suicidas
desaparecidos.
O filme mostra pessoas subindo na barreira da ponte e se
atirando. Além de documentar os atos, o diretor buscou depoimentos de familiares
e amigos dos suicidas, revelando o impacto que isso causou em suas vidas. Steel
registrou diariamente em 2004 a rotina paradoxal da Golden Gate Bridge,
flagrando mais de vinte suicídios. Entre os testemunhos, ele colocou imagens de
carros e nuvens se movendo rapidamente na ponte; usando assim, metáforas
românticas para dizer que: morrer é uma questão de tempo; que o acelerar das
cenas é uma alusão de que os suicidas apressam esse processo; que a ponte
envolta por nevoeiros, representa a travessia entre a vida e a morte.
Ainda que
o documentário “A Ponte” trouxesse a lume, de modo controverso, a importância de
se falar sobre o suicídio, e fizesse com que as famílias das vítimas exigissem
das autoridades que colocassem uma grade de proteção ao longo da ponte, para
impedir que os suicidas caíssem, isso até os dias atuais não aconteceu. As
alegações são de que, o custo é muito alto; que ‘estragaria’ uma das sete
maravilhas do mundo moderno; e que quem quer se matar, se matará de qualquer
jeito. Alegações cretinas em detrimento das vidas.
Assim, há de se compreender
que uma rede de proteção ao longo da ponte evitaria sim, dezenas de mortes.
Mesmo porque, segundo os depoimentos dos sobreviventes, eles se arrependeram no
instante em que pularam. As pessoas sempre optam pelo suicídio da maneira
disponível mais fácil É comprovado em mais 100 estudos que as pessoas sempre
optam pelo suicídio da maneira disponível mais fácil.
Segundo algumas fontes
antigas, o filósofo Empédocles pulou para dentro do vulcão Etna. Os suicídios
modernos desse tipo ocorreram em numerosos vulcões, mas o mais famoso é o Monte
Mihara, no Japão. Em 1933, Kiyoko Matsumoto se suicidou pulando na cratera
Mihara. Uma tendência de suicídio se seguiu, quando 944 pessoas saltaram para a
mesma cratera no ano seguinte. Mais de 1200 pessoas tentaram suicídio ali até
que uma barreira foi erguida. Barreira esta que, em 1936, precisou ser
substituída por uma cerca mais alta, toldada por arame farpado, depois que
outras 619 pessoas conseguiram saltar, transpondo a antiga cerca.
Em todo o
mundo, 30% dos suicídios são causados por envenenamentos por pesticidas. No Sri
Lanka, tanto o suicídio por agrotóxicos, quanto o total de suicídios reduziram
após certos tipos de agrotóxicos serem banidos. Nos países onde porte e posse de
armas são legalizados, mais de 80% dos suicídios são por armas de fogo. Nos EUA,
a maioria das mortes por armas de fogo acontece dessa forma – incríveis 64,2%
dos 37.200 óbitos em 2016. No Brasil, essa porcentagem é de 4%, ou 1.728 mortes.
Se os mesmos 4% da população do Brasil tiver uma arma (o que representaria 6
milhões de novas armas em casa), o total de pessoas que tiram a própria vida
todo ano, proporcionalmente, passaria dos 16 mil. É como se 7 Boeings lotados
caíssem todo mês.
A melhor opção é falar abertamente sobre as dores psíquicas
que conduzem uma pessoa ao ato extremo A questão principal não é, no entanto,
extinguir os meios para se cometer suicídio, isso seria impossível, mas falar
abertamente sobre as dores psíquicas que conduzem uma pessoa ao ato extremo. De
acordo com uma recente revisão de 31 artigos científicos sobre suicídio, mais de
90% das pessoas que se mataram tinham algum transtorno mental como depressão,
esquizofrenia, transtorno bipolar e dependência de álcool ou outras drogas.
Atualmente, estudos mostram que perguntar a indivíduos em risco se eles estão
pensando em suicídio não aumentam suicídios ou pensamentos suicidas; na prática
é o contrário: descobertas sugerem que reconhecer e falar sobre suicídio pode de
fato reduzir em vez de aumentar a ideação suicida. Especialmente quando a pessoa
é capaz de verbalizar suas angústias.
Um problema de saúde pública que vive
atualmente a situação do tabu e do aumento de suas vítimas é o suicídio. Pelos
números oficiais, são 32 brasileiros mortos por dia, taxa superior às vítimas da
AIDS e da maioria dos tipos de câncer. Tem sido um mal silencioso, pois as
pessoas fogem do assunto e, por medo ou desconhecimento, não veem os sinais de
que uma pessoa próxima está com ideias suicidas.
Setembro Amarelo, prevenção ao
suicídio: por que setembro e por que amarelo?
Mesmo com tantos motivos
relevantes para se quebrar o tabu acerca do autoextermínio, somente em 2015 a
Organização Mundial de Saúde instituiu setembro como o mês, e amarelo como a
cor, de prevenção ao suicídio. A escolha de mês de setembro e da cor amarela se
deu por causa da história de um jovem americano, chamado Mike Emme, de 17 anos.
Apaixonado por mecânica, Mike, o filho do casal Dale e Darlene, restaurou um
Mustang 68 e o pintou todo de amarelo. Ainda que aparentasse uma personalidade
tranquila e generosa, Mike optou pelo autoextermínio enquanto dirigia o seu
carro. No dia do seu enterro, em 1994, pessoas próximas confessaram que nunca
perceberam quaisquer sinais de angústia em Mike.
Como forma de homenagear o
rapaz e, ao mesmo tempo, trazer uma conscientização para a causa, amigos de Mike
fizeram uma cesta com 500 cartões enfeitados com fitas amarelas que traziam a
mensagem, “Eu estou disponível para te ouvir”. Para maior parte de nós, o sol
nasce. Então pensamos ‘amanhã é outro dia’, mas para muitos, o sol nunca nasce.
E tudo que eles esperam é que a morte os liberte da dor de existir num mundo
sempre nublado.
O que leva alguém a ultrapassar os limites da própria vida?
Às
vezes, em momentos de real desespero, pensamos em ultrapassar esse limite. Mas
há aqueles em que esses pensamentos são diários. Quando uma dor física qualquer
se torna insuportável, somos capazes de fazer qualquer coisa para alivia-la. O
mesmo acontece quando a dor psíquica é imensa, a pessoa chegará ao limite de
tirar a própria vida, para não sentir mais aquela dor. Talvez haja uma certa
quantia de liberação da dor psíquica, através da dor física. O suicídio na
adolescência já é considerado uma epidemia O suicídio na adolescência já é
considerado uma epidemia. No Brasil é a segunda causa de morte entre 12 e 27
anos.
O adolescente, silencioso ou barulhento, tem uma alma que grita para
dentro. Ter uma alma que grita não é ruim: grandes poetas, grandes cientistas,
grandes artistas, grandes músicos, grandes pensadores… tiveram e têm almas que
gritam. Nada obstante, é de muita importância que os pais saibam que o
adolescente está atravessando a maior e mais difícil fase do cérebro humano.
Dos
12 aos 27 anos, a vida é uma ponte bem trêmula de se atravessar. Para uns mais
do que para outros. Esta é a fase das maiores cobranças psicossociais, mas o
cérebro não sabe disso, o cérebro é físico/mecânico e precisa evoluir. Em sua
evolução faz um ‘caos’ interior na cabeça do adolescente: diminui
significativamente a produção dos hormônios que o deixava feliz na infância,
porque ele precisa experimentar o tédio a fim de ‘construir as grandes coisas
nas ciências e nas tecnologias’.
É como ligar um aparelho de 110 numa tomada
220, o aparelho não aguenta a potência e entra em colapso. Pense que tudo isso
está acontecendo dentro da cabeça do adolescente – enquanto ele atravessa essa
ponte onde as paisagens são cobranças psicossociais, os problemas com a
transformação do corpo, com a sexualidade, com os conflitos familiares, com os
desencontros de interesses das relações…
Como se tudo isso não fosse o bastante
para que os jovens optem pelo suicídio, há pelo menos mais duas questões de
extrema relevância: a predisposição genética para os transtornos mentais e o uso
exacerbado de drogas, enquanto o cérebro se encontra nesse estágio de grande
confusão, por assim dizer.
O uso indiscriminado de drogas, e por drogas se
inclui também o álcool, na adolescência, é como colocar o motor de uma Ferrari
num Fusca, a mecânica não comporta tamanha potência e entra em colapso. E é
nesse momento de colapso que os transtornos mentais desencadeiam, em indivíduos
geneticamente predispostos. Podem desencadear transtornos mentais desde
ansiedade, depressão, transtorno bipolar e até a esquizofrenia. E 90% das
pessoas que cometeram suicídio apresentaram algum tipo de transtorno mental.
Este artigo é um exceto do ensaio de pesquisa teórica e de campo, “Jovem, não
morra na Golden Gate, da escritora, psicopedagoga e psicanalista, Clara Dawn. É
proibida a reprodução total ou parcial sem citar e linkar a fonte. Todos os
direitos reversados de acordo com Lei Nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998
Comentários
Postar um comentário