Entrevista: Arthur Miranda fala sobre a Adicção, Aceitação e Recuperação
(Perguntas referentes aos 12 passos do NA durante o período de internação de junho a agosto de 2013)
Em memória de *Arthur Miranda
(1993 * 2013)
NA – O que a doença da adicção representa para você?
AM – Julgo essa doença de forma complexa, por representar parte da minha vida e de meu ser. Porém em recuperação consigo enxergar os malefícios que ela causa em minha vida integral. Essa doença me faz deixar de ser eu mesmo e regredir perante os meus princípios. Essa doença afeta todos à minha volta, desde a minha família aos meus amigos. Por causa dela os lugares que frequento e o meus hábitos precisam ser restringidos: por causa dela tenho que deixar de ir a certos lugares e abandonar muitos hábitos. De todos os aspectos negativos da doença, o pior é que perco a noção entre o que “certo” ou o que “errado” e faz-me hesitar perante atitudes boas e induz-me às más.
NA – Sua doença está ativa ultimamente? De que maneira?
AM – Faz cinco meses e 10 dias que estou limpo e sinto a minha doença estacionada. Ela só permanece ativa porque eu continuo fumando cigarros. Dessa maneira minha doença permanece gélida e imóvel, porém quando fumo cigarro sinto como se estivesse afastando-me da presença de Deus, da minha recuperação. Mas quando eu estava em estágio de surto psicótico, imaginava que o ato de fumar cigarros ajudava a espantar os demônios de perto de mim.
NA – Como você se comporta quando está obcecado por algo? Os seus pensamentos seguem um padrão?
AM – Só me sinto obcecado por algo quando estou na adicção ativa. Essa obsessão é pela maconha. Pois sinto ao usá-la que possuo poderes e o principal deles é o de ler pensamento. Porém eu não tenho esse poder, mas o que acontece, quando uso, é que ouço vozes e não sei se são de pessoas ou de espíritos. Daí, sinto que sou enganado por todos em minha volta. Estou seguindo agora um caminho reto e pensando se tudo isso é verdade ou coisa da minha mente... A certeza que tenho é que eu não quero mais usar maconha, pois ela me faz escutar essas malditas vozes dia e noite sem parar.
NA – Você age sem considerar as consequências? Age compulsivamente quando ‘vontades’ lhe ocorre ao pensamento?
AM – Não considero que eu aja compulsivamente, pelo fato de que para recair me testei e por umas cinco vezes andei com pessoas que usavam droga perto de mim. Até que eu caí no auto-engano novamente e usei mais duas vezes. Ultimamente tenho agido compulsivamente pelo cigarro. Gostaria de parar mas por enquanto não consegui. Repito que não agi compulsivamente quando me veio a abstinência e o pensamento de recair: pensava incessantemente nas consequências e elas surgiram de imediato quando recaí. E logo no primeiro cigarro de maconha voltei a escutar vozes. As mesmas que eu escutara no primeiro surto.
NA – O aspecto egocêntrico provocado pela doença da adicção afeta a sua vida e a vida das pessoas ao seu redor?
AM – A pergunta deixa explicito que a doença nos deixa egocêntricos, pois a medida que ela progride deixando nossas vidas incontroláveis, na maneira que chegamos ao fundo do poço por usar a droga e por viver para usar. Afeta o nosso físico, o mental e o espiritual de uma forma completamente insana. Com o uso excessivo da maconha eu estava caquético, com os olhos fundos, tinha dificuldade de fazer com perfeição e agilidade as coisas mais simples da rotina doméstica. Minha mãe não dormia, pensando no que o filho poderia estar fazendo: se ele estava bem, se estava se alimentando direito... No auge de meu uso deixei de conversar com o meu pai e há muito tempo não tinha diálogo com a minha irmã. No dia 30 de dezembro de 2012 foi a última vez que usei maconha – depois o surto – a primeira internação e a liberdade. Desde então passei cinco meses e vinte sete dias limpo, frequentando o NarAnôn. Conheci a literatura do grupo e com ela me identifiquei. Assim comecei a servir a irmandade, quando, nas quartas-feiras, era o secretário. Com a recaída no dia vinte e sete de junho de 2013 e outra vez em surto, fui internado no dia trinta desse mesmo mês. Presumo que em recuperação eu deixarei de escutar as vozes que me atormentam e poderei dar alegria a minha família e posso ser um exemplo para mim mesmo: voltar a faculdade e ser o melhor aluno da turma.
NA – Como a doença lhe afetou física, mental, emocional e espiritualmente?
AM – Como disse anteriormente, a doença da adicção me deixou muito magro, olhos fundos, a minha pele estava seca e os meus cabelos perderam o brilho. Eu não conseguia fazer exercícios físicos, pois meu corpo se achava debilitado e preguiçoso. Afetou mentalmente quando o uso constante levou-me ao surto psicótico e nele acreditei que podia: ler pensamentos; enviar e receber pensamentos como imagens e frases; ocultar pensamentos durante o uso da maconha para não ser descoberto; destruir e reconstituir cabeças; curar pessoas e animais e tantos outros. Lutei com isso um bom tempo, mas hoje, graças a Deus o meu coração está confortado com a ideia de que não tenho poderes especiais. A maneira como a doença me afetou espiritualmente, foi tornando em mim a ideia de que eu transitava num mundo espiritual muito visível: tinha a certeza de ver vultos e ao dormir sentia a obsessão de espíritos. Com as orações que a minha mãe me ensinou, me sentia mais confortado. A maneira como me afetou emocionalmente foi tornando-me insensível a tudo que acontecia a minha volta, ao ponto de que nem os namoros não me satisfaziam mais. Nada me dava alegria. A minha alegria só acontecia sob o efeito da maconha. Fora isso, não me interessava por coisa alguma.
NA – De que forma específica a adicção tem se manifestado recentemente na sua vida?
AM – No começo de 2013 eu estava tomando medicação, pela manhã e a noite. Em abril, o médico achou que poderia tomar só uma vez por dia, pois eu estava muito sonolento. Com isso, às vozes, aos poucos, voltaram. Coisa que me fez pensar que o remédio não estava adiantando nada e decidi que iria voltar a fumar maconha. Queria colocar a prova se o uso da droga agravaria a situação como agravou em dezembro de 2012. Foi dessa maneira que a minha adicção se manifestou recentemente. Agora estou internado e minha doença se encontra estacionada.
NA – Você está obcecado por alguma pessoa, lugar ou coisa? Isso afeta o seu relacionamento com os outros? Isso lhe afeta mental, física, espiritual e emocionalmente?
AM – Só estou obcecado pela minha casa. Não vejo o momento de sair dessa clínica e ir para casa. Poder voltar a minha vida normal: estudar, trabalhar, pois tenho um filhinho para cuidar e dar bom exemplo. Mas essa obsessão não afeta o meu relacionamento com os outros internos, pois eu estou paciente e sei que terei um tempo pela frente de tratamento antes de sair daqui. Em relação as minhas áreas emocionais, creio que eu tenha conseguido estabilizar meus sentimentos acerca de estar internado numa Casa de Recuperação e estar com Esquizofrenia; fisicamente também estou bem, porque aqui praticamos exercícios físicos todos os dias. Estou ciente dos meus direitos e deveres aqui dentro. Portanto só preciso ficar paciente porque a minha vontade de voltar para casa será almejada no tempo certo.
NA – Você deu desculpas plausíveis, mas inverídicas sobre seu comportamento de usuário? De recaída? Quais?
AM – Não. Não dei desculpas para justificar o uso de maconha e nem para a minha recaída. A minha recaída foi completamente programada por mais de mês. Não queria passar o resto da vida sem ter a certeza de que a culpa por eu ouvir vozes era por causa da maconha que eu gostava tanto. Eu precisava ter certeza de que ao usá-la eu voltaria a surtar. Eu precisa ter essa certeza, entende? Agora tenho essa certeza e sei que se eu recair outra vez, nunca mais sairei desse estado infernal.
NA – Você tem agido compulsivamente, levado por uma obsessão e depois fingido que planejou agir dessa maneira?
AM – Isso condiz com a minha resposta anterior, quando digo que planejei minha recaída. Eu não agi por compulsão em prol de uma obsessão, pois minha adicção estava estacionada. Eu estava tranquilo, sereno, trabalhando, auxiliando a irmandade e fazendo planos para próximo ano. Mas com proximidade do meu aniversário, ocorreu-me essa ideia de recair. Comemorar, como fazia nos tempos de adicção ativa. Se as vozes não tivessem se manifestado outra vez. Acho que voltaria a usar, sim. Porque é insuportável para um maconheiro acreditar que sua droga favorita é tão nociva a sua mente. Só vivendo esse inferno para crer. Estou conformado e confortável quanto a isso. Os doze passos de NA têm me ajudado nessa conformação.
NA – Você culpa outras pessoas pelo seu comportamento?
AM – Não culpo ninguém. A princípio culpei a mim mesmo. Confiro a mim a natureza exata de minhas falhas, pois o quando decidi diminuir a medicação que estava controlando o surto psicótico, voltei a ouvir vozes e fiquei grilado com isso. Pensei que o remédio nunca iria me curar, então se era para ficar doente para sempre, então eu iria voltar a fumar maconha. E com isso comecei a planejar minha recaída.
NA – Como você tem comparado a sua adcção com adicção dos outros? Sua adicção já é suficientemente ruim em si mesma para compará-la com de alguém?
AM – Não. Não comparo o meu sofrimento com o de ninguém, pois como a pergunta já diz, considero a minha dor é suficiente e bastante para que eu a suporte. Os surtos psicóticos me fazem sofrer bastante. Considero que não comparo esse meu fundo de poço com o de ninguém.
NA – De que modo você se comporta diante da realidade da sua adicção?
AM – A única maneira de me comportar em relação a isso, é me mantendo limpo, um dia de cada vez, pois a cada recaída percebo que estou a um passo da loucura.
NA – Como você pode evitar uma recaída?
AM – Não tenho embasamento suficiente, nem dentro da literatura da adicção e recuperação para evitar uma recaída, pois sou rebelde, minha mente é rebelde e eu não consigo controlar isso, controlar todas as reservas que ainda possuo. Apenas tento respeitar a força do vício e com cautela fugir de lugares e pessoas da ativa para não cair na primeira oportunidade que surgir. Apesar dessa consciência da minha fraqueza diante da força do vício, considero minha doença estacionada.
NA – Você está com medo de encarar a sua adicção? Tem medo de que os outros saibam que você é um adicto em recuperação?
AM – Não. Pois já a aceitei e sei que ela é incurável e fatal. Mas não deixarei com que ela me atormente. A deixarei estacionada de um modo que eu possa perceber que a luta contra a drogadicção faz parte de minha vida. Não estou com medo da repercussão da minha realidade, pois se eu não estivesse tranquilo quanto a minha doença eu já teria fugido desta Clínica. Não é fácil estar em recuperação, mas tenho encontrado aqui todo o apoio de que preciso para suportar a verdade da doença e suas consequências.
NA – Você chegou ao fundo do poço? Se sentiu desesperado ao se ver no fundo do poço e por isso se isolou?
AM – Depois de cinco anos usado maconha diariamente, me vi no fundo do poço quando comecei acreditar que as pessoas a minha volta estavam falando de mim e ao constatar que isso não seria possível, pois como todas as pessoas, inclusive desconhecidos, poderiam saber tantas coisas da minha intimidade. Isso me desesperou sim. Chorava muito, escondido no banheiro e me trancava no quarto para tentar dormir e esquecer as audições, mas nem dormir eu conseguia. Após seis meses de recuperação e com a doença estacionada voltei ao fundo do poço quando decidi recair.
NA – Você encara a adicção ativa, no seu caso o uso da maconha, como um problema? Como um mal que precisa ser combatido?
AM – Tive que surtar para ver a adicção ativa como um problema. Antes disso, não a encarava como um mal, pelo contrario, eu tinha a convicção (sem embasamento teórico) de que a maconha não fazia mal algum. Tinha nela uma válvula de escape para os meus problemas e tristezas. Quando descobri que ela era a desencadeadora de meus Surtos Psicóticos, busquei ajuda no Amor Exigente e nos Narcóticos Anônimos - Foi amor à primeira reunião.
NA – Você se considera impotente diante da sua adicção? Por causa disso já passou por situações embaraçosas?
AM – Sou impotente, primeiramente, a mim mesmo. Como diz a literatura do NA: “um adicto sozinho é má companhia”. Mas minha principal impotência é perante as pessoas e lugares da ativa, porque me sinto bem perto de quem usa ou perto da droga. Mas minha impotência perante a droga torna essa relação impossível. Quando eu me alcoolizava, ficava muito agressivo. Ao ponto de agredir fisicamente os outros. A situação mais embaraçosa foi ter agredido fisicamente minha mãe.
NA – Na fase da adicção ativa você se feria fisicamente? Feria outras pessoas?
AM – No último ano da minha adicção ativa fiquei muito magro, com olheiras, olhos fundos, com a pele seca, cabelo sem brilho. Eu não conseguia fazer atividades físicas, pois sentia-me debilitado: respiração ofegante e o coração disparava ao menor esforço. Por causa do meu egocentrismo, fazia chantagens emocionais com a minha mãe, com o meu pai e até a minha irmã, para que eles pensassem que eu tinha razões para usar maconha. Com isso, minha mãe sofria muito. Não dormia direito e quando dormia tinha pesadelos. Ela adquiriu um olhar triste e uma aparência sofrida.
NA – Perda de Controle.
AM – Perdi o controle quando agredi minha mãe fisicamente. Ela me denunciou na Delegacia da Mulher, mas graças ao Programa da Justiça Terapêutica não fui preso. Fui orientado ao tratamento. Perdi controle quando decidi transportar, de Goiânia para Anápolis, 150 gramas de maconha. Se tivesse sido pego, não teria escapado da prisão. Perdi o controle da situação no meu segundo surto. Após a primeira internação, minha doença estava estacionada. Mas a minha rebeldia me fez usar novamente, só para ver se seria mesmo o meu fim. Realmente eu não pude ficar limpo somente por minha própria vontade, apesar de que tentei diminuir o uso no final de 2012, mas já estava num uso tão abusivo que o que me aconteceu, na verdade, para frear o uso foi o surto psicótico: onde estava com síndrome de perseguição, achando que todos queriam me matar e ouvia muitas vozes, eu acreditava que todos tínhamos poderes como ler mentes, enviar e receber pensamentos, imagens e frases. A partir do momento em que fui internado, meu sentimento foi de revolta, mas depois que descobri que essa foi a melhor atitude que minha mãe tomou em relação a mim, pois hoje percebo que com a internação retomei a vontade de viver. Após ter sido confirmado o surto psicótico, decidi entregar todas as minhas vontades e a minha vida aos cuidados de Deus. Abro mão do uso de drogas e passo a seguir a palavra de Deus fielmente, ao ponto em que Deus se torne a maior força sobre a minha vida. Comporto-me conforme Deus queira, mas ele é o meu poder superior, ele rege sobre todas as coisas na minha vida, existem palavras que eu digo a Ele regularmente: “Agradeço-Te pelo dom da vida, o dom que o Senhor me concedeu hoje e todos os dias, faça-me parar de ouvir as vozes que tanto me atormenta, em nome de Jesus, amém”.
NA – Manipulação.
AM – Eu realmente tenho esse defeito. Quero fazer tudo do meu jeito e para isso arrumo uma maneira de manipular as pessoas a me ajudarem. Quando as coisas não saem como eu planejei, sinto-me desestruturado. Quando algo não sai como pensei é como se eu tivesse feito um grande erro de calculo. Acho difícil lidar com isso. Mas com a terapia estou aprendendo a trabalhar esse comportamento. Agi por vontade própria quando comecei a usar drogas e manipular minha família e meus amigos para conseguir mais. Minha vontade própria afetou minha vida me tornando egocêntrico e fora de controle, pois estava em uso abusivo e não tinha como voltar atras, se não fosse pelo surto psicótico que me aconteceu para me fazer parar de usar drogas. Porém o medo de surtar não me evitou a recaída, mas aprendi com isso que não posso nunca mais usar droga, pois a qualquer momento posso desenvolver o surto psicótico. Com o meu egocentrismo cheguei a não me importar com ninguém, nem com a minha mãe que é a pessoa que nunca desistiu de mim, quando eu chegava em casa que ela abria a porta eu olhava para ela como se ela fosse parte da porta. E com a minha irmã, uma vez eu disse que ela era menos que uma formiga que eu poderia esmaga-la quando eu bem entendesse... dizia isso e não sentia nenhum remorso.
NA – Rendição.
AM – Não temo a rendição. Já me rendi e estou vivendo em recuperação. Por um período de cinco meses e vinte sete dias não tive um rendição completa, pois desejava uma recaída e não percebia que estava me perdendo no auto-engano e na autossuficiência, mas hoje me encontro em uma rendição completa e estou vivendo em plena e consciente recuperação. Essa rendição é que me convence de que eu não posso mais usar maconha, nem qualquer outro tipo de droga. Devido aos surtos, tenho certeza de quem em nenhum momento da minha vida poderei retornar ao uso. Se eu quiser preservar a minha integridade física, mental, espiritual e emocional, terei que morrer limpo.
NA – Sinceramente...
AM – Sinceramente eu não estou pensando em usar droga e nem estou agindo movido pela minha adicção. Estou limpo e já aceitei por completo a realidade da minha doença. Tenho o sentimento de que irei reforçar a minha recuperação e que não recairei mais. Não escondo de ninguém a minha doença. Todos os meus familiares e amigos sabem que frequento o NA e sabem do meu desejo pela recuperação. Eu vejo e valorizo a liberdade que isso traz. Comecei a ser honesto com a minha recuperação quando decidi frequentar o NA. Nada na recuperação me soa estranho, pois já passei por tantas dificuldades até chegar aqui que compreendo que a recuperação é a arte de se contrariar. Portanto, quando ajo de modo a contrariar a minha vontade de usar, estou agindo certo. Estou praticando o princípio da mente aberta: permanecendo internado e aceitando as limitações de minha adicção. Estou conformado em saber que, por causa da adicção, hoje eu possuo uma doença mental. Mesmo sabendo que ela é incurável. Consigo colocar acima de tudo o estacionamento dessa doença e a partir disso tenho conseguido viver plena recuperação e estou disposto a dar o melhor de mim por ela. Vou seguir todas as sugestões dos meus entes e procurarei me manter longe de pessoas e lugares da ativa.
NA - Princípios Espirituais
AM – A minha principal crença é na minha ação em trabalhar a minha fé na minha recuperação e na existência de um Poder maior do que eu. Aceitando que a minha doença é maior do que eu e menor que o Poder Superior. Sendo assim admiti que sou impotente diante da minha adicção. Mente fechada é sinônimo de recaída. Mente fechada é não acreditar que há um poder maior que a gente e que esse poder possa devolver-nos a sanidade. Mente aberta é sinônimo de uma boa recuperação, pois se é capaz de entregar a recuperação ao poder superior. Minha mente está aberta em minha recuperação, pois consegui compreender o tamanho de minha doença e a forma como executarei minha recuperação. Estou mais socialmente comunicativo, estou menos introspectivo, sabendo a hora que devo falar e quando devo ouvir e extraindo o útil de cada coisa que me dizem. Meus pensamentos negativos diminuíram ao ponto de eu poder controla-los quase que completamente. Creio que mais mudanças são possíveis em minha vida, como: perder a mania de perseguição, não ouvir mais as vozes e nunca mais ter surtos psicóticos. Minha fé foi crescendo a partir do momento em que não me senti mais abandonado pelo Poder Superior e com isso eu pude sair do surto mais uma vez. Tenho fé que essa foi a última vez que surtei por causa de drogas. Estou orando todos os dias, coisa que não fazia na adicção ativa. Deus está me tornando uma pessoa mais altruísta e com isso tenho evoluído espiritualmente. Sou um homem sonhador. Deus me fez assim. A partir do momento que descobri que a minha doença não tem cura e a Recuperação Diária e o Trabalho dos Passos são minhas alternativas para eu concretizar os planos de que minha adicção fique estacionada e não mais interfira na realização do meu futuro. Tenho uma reserva, um medo de que quando as coisas voltem ao normal, eu volte ao uso. Esse medo pode interferir na minha fé, mas oro a Deus para vencer isso. Para vencer essa reserva e esse medo, devo frequentar regularmente o N A e buscar aprender com as partilhas entre os adictos em recuperação. Assim posso desenvolver a minha espiritualidade e recuperação diária de modo a espantar os fantasmas da recaída. Tenho procurado a ajuda de um poder maior do que eu, todos os dias desde o momento que comecei a escutar as vozes; tenho entrado em contato consciente com Deus, para que ele devolva minha sanidade, a mesma que eu tinha antes de usar drogas, vou dobrar meus joelhos todos os dias para que eu nunca tenha outra recaída, para que eu nunca mais volte ao meu fundo do poço (que no meu caso foi o surto psicótico). Achei que Deus me punira, com o surto psicótico, devido ao uso exacerbado de maconha. Mas hoje compreendo que Deus é bondoso, um poder superior incapaz de me punir e sim de alertar-me. Quando decido entregar as minhas vontades e a minha vida aos cuidados de Deus, ele age sobre essa decisão. Decidi deixar Deus tomar as minhas vontades e a minha vida para Si, para que Ele me oriente em minha recuperação, mostrando-me como viver, pois decidi que acima de tudo não devo usar drogas nunca mais, através desse despertar espiritual consigo, com os doze passos, admitir que sou impotente perante minha adicção. Demonstrei boa vontade em minha recuperação aceitando meu tratamento por mais que eu estivesse convicto de que as pessoas pudessem ler pensamentos. Não estou lutando contra nenhum aspecto da minha recuperação.
NA – Sanidade
AM – O processo não se limita apenas em sanidade, pois precisamos, primeiramente, passar pelo processo de insanidade para reconhecê-lo, aceita-lo, e enfim resisti-lo. Sanidade é ter o direito de escolher e nessa escolha, escolher ficar limpo; é ter a escolha de frequentar os lugares da ativa e não frequentar; é ter a escolha de conversar sobre os hábitos da ativa e não conversar... pois eu perco a sanidade somente quando estou próximo dessas coisas e por fim acabo usando droga e é aí que tenho a insanidade de acreditar que o mundo gira ao meu redor. O caminho para a sanidade é um processo a partir do momento que se torna gradual o caminho entre recaídas e recuperação. Devemos ter um despertar espiritual para aceitar a doença e coloca-la nas mãos de Deus junto com a natureza exata de nossas fraquezas. O despertar espiritual é iminente para o retorno à sanidade. Todas às minhas expectativas quanto a voltar à sanidade são realistas, pois creio que em recuperação, os 12 passos me ajudarão a devolvê-la por completo e estou convicto de que isso tem um tempo certo para cada pessoa e nunca acontece da noite para o dia. A forma como meu poder superior está agindo em minha vida é, principalmente, devolvendo-me a sanidade mental. Venho a acreditar que a minha vontade e a minha vida foram entregues nas mãos de Deus (me comunico com Deus todos os dias, da maneira que eu O compreendo) Ele se comunica comigo em meus bons pensamentos, em meus sonhos, quando estou tendo um diálogo com alguém, ou quando estou próximo de animais. Meu sentimento em relação ao meu poder superior é de gratidão, pois a cada dia que passa Ele vêm devolvendo-me a sanidade necessária para compreender o Seu agir em minha vida. Agradeço a Ele todos os dias por ter me concedido o dom da vida.
NA – Se considera importante para as outras pessoas?
AM – Sou importante para a minha família, pois quando falei que para a minha mãe que eu tinha recaído, ela procurou a ajuda psiquiátrica imediatamente, porque percebeu que eu já estava ouvindo as vozes outra vez. Para os meus “amigos” da ativa, creio que eles não me consideram muito. Eu pensava que era importante para eles, pois sempre fui eu quem organizava as reuniões da galera, mas depois que entrei em recuperação eu não os procurei e tampouco eles se interessaram em saber porque eu desapareci. Considero-me um membro produtivo perante a sociedade, pois na maioria dos lugares que vou, tento ser útil de alguma forma e isso me torna alguém importante para mim mesmo.
NA – Arrependimento
AM – Eu realmente me arrependo de minha teimosia em colocar a minha doença à prova; de planejar a minha recaída só para ter a certeza se era mesmo a maconha que desencadeava o surto-psicótico. Premeditei que isso aconteceria, mas o meu espirito rebelde gritou mais alto e fui de encontro ao auto-engano. E aconteceu como a psiquiatra disse que aconteceria: “se você usar maconha outra vez, vai surtar de novo” – Dito e feito. Mas agora estou internado e limpo, com isso minha doença encontra-se estacionada. Sinto-me muito culpado por ter influenciado um primo menor ao uso de maconha, ele infelizmente usa até hoje e mesmo eu estando limpo, ele não sente vontade de parar, mas eu coloco nas mãos de Deus em jejum todos os dias, para que ele pare, ele e outros quatro amigos que eu influenciei ao uso também, me sinto muito envergonhado por ter agredido a minha mãe quando estava na adicção ativa e embriagado, por mais que ela dia que tenha me perdoado, ainda sinto remorso. As situações que me envergonharam foram causadas por mim quando eu bebia bebida alcoólica. Sinto vergonha das ressacas morais que eu sentia após uma noite inteira de farra, pois vomitava pela casa e tinha que limpar sozinho o meu vomito e os dos outros. Sinto vergonha por ter concebido meu filho enquanto estava embriagado, porém acredito que esses defeitos não pertencem ao meu caráter e sim à minha adicção, do contrario não sentiria vergonha. Meu comportamento durante a adicção ativa, egocêntrico e manipulador, muitas vezes me fez sair ganhando, mas a ressaca moral era muito maior do que as vantagens que eu tinha, esses comportamentos não me deixavam ter um pingo de altruísmo e isso hoje contribui para minha culpa e vergonha.
NA – Seguindo em frente
AM – Sei exatamente como é caminho de agonias que terei de trilhar para manter-me limpo e nem por isso penso em desistir dele. Eu fiz às pazes com todas as concessões que terei de fazer para permanecer limpo. Sim, porque primeiro é preciso admitir que se é impotente perante a adicção e que vida tornou-se incontrolável a si mesmo. A partir disso é possível dar o primeiro passo na trilha da recuperação. Estou pronto para abandonar as drogas e seguir pelo constante caminho da recuperação. Estou pronto para ignorar o egocentrismo e ser mais altruísta de modo que saiba como me colocar no lugar do próximo para ajuda-lo. Estou pronto para manter contato diário com o Poder Superior. Estou disposto a lutar para nunca mais recair, pois não desejo um Surto Psicótico nem para o meu pior inimigo. Estou disposto a dar exemplo, primeiramente, para mim mesmo e não fugir dos primórdios de minha crença na recuperação para que o exemplo dado a mim seja exemplo a outros. Continuar meditando com Deus todos os dias; frequentar o grupo de NA com regularidade, sendo assim terei que estar na sala todos os dias. Essas duas atitudes irão me ajudar no processo de vir a acreditar; juntamente com o despertar espiritual que o trabalho dos passos irá me trazer. Consigo compreender que iniciei o processo de vir a acreditar e sei que tenho que fazer mais para que eu consiga suprir todas as áreas que necessito para ficar limpo. “Só por hoje” devo tomar essa decisão todos os dias. Não tenho reservas nem medo de tomar essa decisão, pois compreendi que isso é essencial à minha recuperação. De imediato não tomei nenhuma atitude para dar sequencia á minha decisão, mas com o passar dos dias, escrevendo os PASSOS e tendo um despertar espiritual, admiti que era impotente perante minha adicção; que a minha vida tinha se tornado incontrolável; que deveria acreditar que um poder maior do que eu me devolveria a sanidade: depois coloquei tudo isso nas mãos de Deus, às minhas vontades e à minha recuperação. Para atingir minhas metas não terei que comprometer nenhum de meus princípios, não terei que ser desonesto, nem cruel, nem desleal com o outros nem comigo mesmo, pois penso muito no próximo, ao ponto de que seria muito difícil prejudicar alguém para me beneficiar, eu poderia dizer que isso é impossível. Identifico o meu sentimento de amor quando: há algo que eu me apego e isso é tirado de mim, daí sinto raiva e angustia; quando tenho apreço por algo e quando estou feliz por fazer minha família e próximos felizes; quando vejo um sorriso no rosto da minha mãe e da minha irmã, ainda mais se tiver sido eu o causador do sorriso, aí me sinto lisonjeado. Não há nenhum sentimento que eu tenha dificuldade de experimentar, pois até mesmo pelo inexplorado e desconhecido sinto atração. O único sentimento que não quero ter é, o prazer espontâneo e instantâneo que a droga dá. Não quero esse sentimento nunca mais. As únicas vezes em que eu tentava esconder meus sentimentos, era na adicção ativa, nela reprimia meus sentimentos de angustia e desprezo em relação ao uso abusivo da maconha, mas isso não me pertence mais, pois hoje eu não tento mais que esconder meus sentimentos de nenhuma maneira. As coisas não fluíram bem na faculdade, mais da metade das matérias que eu estudava não consegui fechar e sendo assim, como já estava usando muita droga, usava ainda mais para esquecer que não estava bem na faculdade, eu não conseguia fazer os trabalhos e quando chegava na faculdade e via que todos estavam se dando bem, porque estavam se esforçando para isso, e eu fui ficando para trás, ficava triste, então eu ia para casa e fumava maconha, muita maconha mesmo. Eu acreditei que estava tudo bem comigo, que eu poderia usar a droga e frequentar a faculdade. Acreditei mesmo que conseguiria conciliar as coisas, mas eu não consegui, já era para eu estar no terceiro período, mas ainda devia as matérias do primeiro, isso me fez perceber que eu não estava conseguindo entrar no ritmo das aulas, mas pensava - “futuramente me darei bem nas matérias” -mas como? Se eu não ia as aulas e a maioria das bombas foram por faltas. Quando eu usava droga eu tinha maus sentimentos, assim eu usava mais drogas para reprimir esses sentimentos. Mas agora que eu estou limpo, eu trabalho a aceitação perante a identificação dos meus sentimentos, agora eu sei bem o que eu sinto e não uso mais drogas para me anestesiar e nem para fugir da realidade.
NA – Esperança
AM – Tenho esperança na minha recuperação. Acredito que conseguirei a minha sanidade novamente. Tenho esperança em minha família que nunca desistiu de mim, até mesmo nos momentos de insanidade total. Acredito nos meus sonhos, creio que Deus está com Sua mão sobre a minha vida e que com isso serei vencedor e engrandecerei o Seu Santo Nome. Depois que entrei em recuperação minha fé em Deus e na vida cresceu fortemente. Consigo orar todos os dias e meditar em Deus nos momentos em que eu achar pertinente. Creio que um poder maior do que eu poderá ajudar-me a ficar limpo. Um poder maior do que eu poderá confortar o meu coração de uma forma que os vazios sejam preenchidos com Sua Graça.
NA – Motivação (Sobre o inventário)
AM - Fiz um inventário moral destemido e minucioso de mim mesmo para ajudar-me a me conhecer melhor. Me ajuda a questionar-me sobre o que estava errando e o que poderia ser resolvido conforme cada necessidade, faz com que eu compreenda melhor meus anseios e meus sonhos, antigos e novos. Fui motivado a trabalhar esses passos para que eu termine meu tratamento na clinica e volte para casa, não posso adiar esse trabalho, pois ele me mostrará quem realmente eu sou, todos os meus segredos serão contados aqui, com isso eu terei um despertar espiritual e poderei partilhar com a minha terapeuta e enfim concluir o meu tratamento “não adiar” significa: não colocar objeções acima dos meus passos que estão sendo dados pausadamente. Não estou com medo de fazer isso, estou ciente que é necessário faze-lo para o bem da minha recuperação, serei profundo e isso significa falar de tudo. Esse passo (12) é para retirar todas as reservas do meu passado, serei destemido e isso significa não temer o que eu vou escrever, pois estou consciente de que isso me dará coragem, determinação e fé, estou colocando as palavras do meu coração nesse inventário para ter a certeza de que eu conseguirei lidar com tudo aquilo que for revelado aqui, no meu inventario moral. A palavra “moral’ não me causa espanto nem desconforto, porque através dela, descubro minha própria moralidade individual. Não me sinto incomodado com as expectativas da sociedade em relação a minha recuperação, tampouco tenho medo de não conseguir me ajustar a essas expectativas, pois estou sendo preparado para enfrenta-las em meu cotidiano, por isso estou em uma clinica de contenção, aqui eu vivo os meus princípios e tenho um despertar do não desejo de usar drogas. Primeiramente valorizo a vida que Deus me concede todos os dias; depois valorizo os princípios espirituais; valorizo o principio da integridade, da honestidade e do altruísmo, pois é dando que se recebe. Antes de usar drogas eu valorizava a vontade de não usar, quando me perguntavam o que eu achava de cigarros eu respondia que não achava engraçado ser uma locomotiva humana, mas hoje em dia eu fumo cigarros, pois comecei a fumar para esconder o cheiro da maconha, quero me libertar desse vicio, mas por enquanto não consegui forças. A minha decisão de trabalhar a minha recuperação é uma demonstração de coragem, pois estou fazendo um destemido e minucioso inventário moral de mim mesmo, portanto devo demonstrar confiança para escrever coisas plausíveis e honestas sobre mim. É uma demonstração de fé, pois acredito que tenho um despertar espiritual com o trabalho de cada Passo. É uma demonstração de honestidade, pois não contarei nenhuma mentira. É uma demonstração de boa vontade, pois acima de tudo compreendo que é necessário trabalhar os passos para seguir em minha recuperação. Não tenho ressentimento em relação a ninguém, não tenho ressentimento a nenhuma instituição, nenhuma clinica, nenhum profissional. Não tenho nenhum motivo para agir movido pelo ressentimento. Eu nunca fui desonesto, portanto não tem como isso ter contribuído para algum ressentimento. No inicio da internação fiquei ressentido com a minha mãe, mas hoje já aceitei que essa era a única alternativa. Sei que foi o meu uso de drogas que levou-me a ter outro surto e ser internado mais uma vez, mas esse ressentimento do inicio não afetou o meu relacionamento comigo mesmo, nem com os outros e nem com o Poder Superior.
NA: Um conselho:
AM: O mesmo que eu disse para minha mãe e a minha irmã: não pensem que usuário de maconha vai ler artigos e coisa e tal sobre os malefícios da maconha. Não mesmo. Quando minha mãe comprou e me deu a Revista Veja que trazia na capa a matéria "Maconha faz mal, sim", eu peguei a revista, coloquei na mochila sob a alegação que a mostraria aos meus parceiros de "viagem", depois sumi com ela. Maconheiro é convicto de que maconha não é droga, não faz mal, só faz o bem, deixa alegre e com fome. Não pense que usuário de maconha se considera um viciado. Jamais. Não pense que maconheiro vai aceitar tratamento e convite para NA, não vão. A gente não aceita que precisa de recuperação nem estando no fundo do poço. A gente só aceita a recuperação, e coercitiva, quando é freado pela justiça ou, como eu, por causa da insanidade mental. Não pense que a maconha é a única porta para às outras drogas. Há uma droga pior do que qualquer outra droga e essa é liberada no mundo todo: o álcool e esse sim é a porta que fica escancarada dentro dos lares a começar pelos pais. Um pai que deixa o filho menor "experimentar" a sua cerveja, que incentiva o filho a beber para ficar menos tímido, é pior que um aliciador. É com o álcool que vem a vontade de se extasiar sempre mais. Aí para se extasiar nenhuma droga será o suficiente. A maconha faz mal, sim, se usada abusivamente. Só que um maconheiro nunca vai considerar que faz uso abusivo. Só se ele pirar de vez, aí é tarde demais. Piração não tem cura e a adicção também não: entre as duas, escolha a segunda. Com ela pelo menos você fica bem na fita, fica limpo, limpo, limpo e cheiroso. Mas esse conselho vai para os pais que ficam felizes por saberem que os seus filhos SÓ tomam uns golinhos de vez em quando e usam SÓ maconha. Mas se o seu filho estiver no fundo do poço, não vire às costas para ele. Jogue uma corda e depois, com amor e bondade, o puxe para fora e não deixe nunca mais ele caminhar sozinho. Vá com ele para o NA. Falei.
* Arthur Miranda tinha 20 anos e era poeta e estudante de arquitetura, cometeu a "automorte" no dia 17 de agosto de 2013. Detalhes de suicídio não são revelados por questões éticas sociais. Esta entrevista faz parte do manuscrito "No jardim de ervas daninhas - pague para entrar e reze para sair" - escrito por Arthur Miranda.
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